Pequenas ponderações sobre a escola e a cultura escolar
Por Chico Braun
Nessa semana, vou tentar elaborar algumas idéias sobre a escola, tentando responder na medida do possível algumas questões que ponderamos na semana anterior. O que pretendo considerar no texto de hoje são pequenos pontos que fizeram a escola moderna emergir, juntamente com um conjunto de saberes que forjaram um conhecimento naturalizado nos últimos três séculos.
A escola até o século XVIII era muito diferente do conhecemos hoje, as escolas medievais não eram um lugar propriamente do aprendizado e da disciplina, nem da divisão de séries e faixa etária. As escolas se destinavam aos nobres que iriam se dedicar ao clero, (a vida sacerdotal) e poderíamos encontrar crianças de 8 ou 9 anos estudando juntamente com jovens de 15 ou 21 anos, o único critério era a vontade de aprender.
O corre que o século XVIII, fez emergir um discurso baseado em saberes que tornaram possível uma ordenação das coisas, através da classificação, da mensuração e da sujeição das coisas. As coisas podem ser entendidas, como todos os seres possíveis de análise através da razão, a racionalidade emergente no Iluminismo (ou Ilustração) criou um mundo onde tornou-se possível classificar e ordenar as coisas (o mundo) através da razão, isso é perceptível em Descartes (com o discurso do método) e Kant (com o sujeito da ilustração).
Desejo apontar nesse momento, é que a escola sofreu uma alteração profunda enquanto instituição, ela ganha um corpo disciplinar, além dos saberes que constituíram uma economia de controle, classificação e vigilância dos sujeitos na escola. A escola no século XVIII tornou-se uma maquinaria com um fim muito específico, disciplinar as crianças principalmente para o trabalho, visto ser esse o período da Revolução Industrial.
A escola foi a partir de então, pensada como um espaço do controle e vigilância dos corpos, o espaço disciplinar, os saberes começam a classificar esse espaço, desde sua arquitetura, com a criação de espaços que favorecessem a vigilância dos alunos, sua classificação por séries e faixa etária começando a produzir uma ordem de controle e vigilância sobre a escola e sobre o corpo social, pois, a sociedade também foi enquadrada nessa ordem de controle onde os saberes começam a exercer um poder sobre a sociedade.
Quando tratamos dos saberes entende-se como o saber médico, psiquiátrico e o saber jurídico que começam a ordenar os espaços através da razão e produzem uma nova forma de dominação pautada na ciência e na razão. Nesse momento, os saberes estão exercendo um poder que vai se diluir na sociedade nas relações sociais passamos a viver sob a égide de uma microfísica do poder, como sugeriu Michel Foucault.
A ordem disciplinar passou a constituir a escola que no decorrer do século XIX ganhou contornos mais sutis e perversos quando absorveu do evolucionismo, a idéia de aptidão até pouco tempo utilizado na escola quando no boletim escolar citavam que o aluno estava apto para seguir a série seguinte. O conceito de aptidão, advém da ideia que a criança evoluiu e pode ir a série seguinte, porém o conceito de evolução foi criado por Darwin no século XIX, para entender a evolução das espécies, seu uso na educação teve um significado classificatório.
Nesse sentido, temos uma escola pensada dentro de uma ordem disciplinar e classificatória e no decorrer dos últimos dois séculos esses discursos foram naturalizados, ganhando um estatuto de verdade inquestionável pois, se baseava num conhecimento pautado na razão. A escola é uma invenção do século XVIII e XIX e, seus efeitos ainda são sentidos em nossos dias, os saberes que criaram essa concepção de escola, produziram um efeito de verdade naturalizando a escola enquanto um conceito cristalizado, uma verdade.
Hoje vivemos uma crise na educação, talvez pelo fato de que a escola que conhecemos hoje está colocada conceitualmente ancorada na escola do século XVIII e XIX e isso ocorre devido a persistência de uma cultura escolar que emergiu através dos saberes e da disciplinarização dos sujeitos. Atualmente temos dificuldades de avançar, a cultura escolar é antiquada e retrógada, nossa relação com o conhecimento ainda é da reprodução e apropriação do conhecimento e não conseguimos ensinar nossos alunos a fazer perguntas.
A cultura escolar ainda percebe o conhecimento como uma verdade, a sociedade exige isso da escola e a escola não consegue romper com esse paradigma. No entanto o conhecimento é uma invenção (isso já foi abordado por Nietzsche no final do século XIX) ele é fluido e não algo cristalizado.
Precisamos ensinar nossas crianças de maneira diferente e isso pode ser feito de modo simples apenas tratando o conhecimento como algo a ser desconstruído, questionado e repensado, precisamos ensinar nossas crianças a fazer perguntas para que possamos contribuir na formação de cidadãos, que se coloquem na sociedade e tenha clareza que o conhecimento é uma invenção, a cultura é uma produção social e com isso possa estranhar o mundo e as coisas que o cerca.
A crise na educação que vivemos atualmente parece ser resultado dessa cultura escolar emergente nos séculos XVIII e XIX, na qual estamos imersos numa ordem disciplinar e por mais que busque a responsabilidade da educação nos professores, alunos ou na família, a crise não vêem a ser moral, mas conceitual e se relaciona a mudança de uma cultura escolar, uma cultura diluída no corpo social e naturalizada como uma prática social.
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