Internet
O marco civil faz história e manda recado
O Brasil lidera o ataque à hegemonia dos EUA na internet. Por Cynara Menezes
Nelson Almeida / AFP
Ao lado da presidenta Dilma Rousseff na abertura do evento NetMundial
em São Paulo, Tim Berners-Lee, considerado o “pai da internet”, deu o
tom da calorosa recepção internacional que se seguiria à aprovação do
Marco Civil. “Estou pedindo que todos os países sigam o exemplo do
Brasil e da Europa. É um exemplo fantástico de como o governo pode ter
um papel positivo no desenvolvimento da rede”, disse.
Embora a imprensa brasileira tenha
preferido destacar a decisão da ministra Rosa Weber, do STF, a favor da
realização de uma CPI exclusiva da Petrobras, vários jornais do mundo
trouxeram artigos sobre a aprovação de forma entusiástica, sobretudo na
França, país coorganizador do evento. O jornal Le Monde trouxe reportagem de primeira página sob o título “O Brasil lidera a batalha contra a hegemonia norte-americana na web”.
O presidente da Associação Francesa para a
Nomeação de Domínios de Internet em Cooperação (Afnic), Mattieu Weil,
que estava em São Paulo para o evento, declarou-se otimista. “Nós não
vamos fazer a revolução em dois dias, mas o Brasil está bem posicionado
para fazer avançar a reforma da governança da internet. Está próximo aos
princípios europeus, e, ao mesmo tempo, possui a confiança dos países
menos desenvolvidos.”
A sanção também foi alvo dos elogios de
Vinton Cerf, outro dos criadores da internet e atualmente
vice-presidente do Google, como uma “iniciativa multipartidária que
oferece importantes garantias para proteger a plataforma web e os
direitos dos usuários”, e também de Nnenna Nuakanma, uma das criadoras
da Fundação de Software Livre e Open Source para a África, que
parabenizou os brasileiros.
O objetivo dos ativistas da rede é chegar a uma espécie de Constituição mundial da internet que possa garantir no futuro que endereços, nomes de domínios e protocolos não estejam mais, como hoje, sob a tutela dos EUA. Como disse a ministra francesa para as relações digitais, Axelle Lemaire, em São Paulo: “A web não deveria ser como o Velho Oeste, onde o que vale é a lei do mais forte”. Um disparo direto ao domínio norte-americano.
O objetivo dos ativistas da rede é chegar a uma espécie de Constituição mundial da internet que possa garantir no futuro que endereços, nomes de domínios e protocolos não estejam mais, como hoje, sob a tutela dos EUA. Como disse a ministra francesa para as relações digitais, Axelle Lemaire, em São Paulo: “A web não deveria ser como o Velho Oeste, onde o que vale é a lei do mais forte”. Um disparo direto ao domínio norte-americano.
Vários especialistas apontaram que o
Marco Civil brasileiro avança no sentido de mudar a governança da
internet no mundo. “A neutralidade torna
inadmissível qualquer restrição da rede por motivos comerciais ou de
qualquer outra natureza”, disse Dilma Rousseff. Pela primeira vez, a
presidenta foi ao Facebook responder ao vivo às dúvidas dos internautas
em relação ao projeto, principalmente quanto à possibilidade de
“censura” que vários setores quiseram associar ao projeto. Pelo
contrário, disse Dilma, a lei “assegura a liberdade de expressão, a
privacidade e o respeito aos direitos humanos”.
À frente do projeto como relator há três anos, o deputado
Alessandro Molon (PT-RJ) denunciou haver uma guerra de informação contra
o projeto, que começou com a resistência das teles à neutralidade da
rede e continua agora no campo da “guerra política”. “Ou é
desinformação, desconhecimento sobre o projeto, ou é guerra política,
para que a sociedade civil fique contra. Esta história de dizer que se
pretende tolher a liberdade de expressão, por exemplo, é uma mentira sem tamanho. É um antídoto contra a censura, isso sim”, disse Molon.
O princípio da neutralidade, um dos itens centrais do Marco Civil e o mais combatido pelo lobby das
teles, estabelece que a rede deve ser igual para todos, sem diferença
quanto ao tipo de uso. Ou seja, ao comprar um plano de internet o
usuário paga somente pela velocidade contratada e não de acordo com o
tipo de conteúdo (vídeos, e-mails, chats) que pretende acessar. No dia
seguinte à sanção por Dilma, as operadoras de telefonia já estavam nos
jornais dizendo que poderão vender serviços diferenciados, cobrando
mais.
“Isso não se pode fazer, seria quebrar a neutralidade”,
disse Molon. Embora o Marco Civil preveja que os provedores de conexão
ficam proibidos de guardar os registros de acesso a aplicações da
internet, houve polêmica sobre o artigo 15, alvo de
pedido de veto à presidenta por ativistas. O artigo prevê que as
empresas devem manter o registro do rastro digital do usuário por seis
meses, o que foi visto como ameaça à privacidade.
Para Alessandro Molon, trata-se de falta de entendimento sobre a lei. “Sem essa guarda
de dados seria impossível combater a impunidade. Foi um pedido da
Polícia Federal e do Ministério Público, mas o que as pessoas não sabem é
que os dados são sigilosos e só podem ser revelados sob ordem
judicial”, disse o deputado, admitindo, porém, que a
presidenta Dilma ainda pode fazer modificações no artigo na redação do
decreto que regulamentará o Marco Civil.
A sessão do Senado
que aprovou o projeto, na terça-feira 22, esquentou, com bate-boca
entre os senadores Aécio Neves, pré-candidato do PSDB à Presidência, e o
petista Lindbergh Farias, que pretende se lançar ao governo do Rio.
Aécio pediu um mês de prorrogação para análise e criticou a “pressa” do
governo em sua aprovação. Lindbergh rebateu dizendo que os tucanos davam
um “tiro no pé” ao querer atrasar a votação do projeto, que contava com
mais de 350 mil assinaturas pedindo urgência. Começou uma troca de
acusações sobre quem trabalha mais ou menos e a sessão precisou ser
suspensa para acalmar os ânimos.
Após a aprovação, o clima no Palácio do
Planalto era de franca comemoração, a despeito da decisão de Rosa Weber.
Entre os assessores da presidenta, o Marco Civil já era considerado o
“grande gol do ano”. Com uma vitória particular para Dilma, que, ao
reforçar a investida contra o domínio norte-americano na internet, se
viu vingada das denúncias de espionagem de seu governo feitas por Edward
Snowden no ano passado.
“Esses fatos são inaceitáveis e continuam sendo
inaceitáveis. Atentam contra a própria natureza da internet”, criticou a
presidenta ao discursar na abertura do NetMundial. A africana
Nnenna Nwakanma, que representava a sociedade civil no evento, fez
questão de agradecer a Snowden na abertura. “Para todos nós que amamos a
internet, e todos nós que estamos aqui, e a alguém chamado Edward,
Edward Snowden, obrigado”, disse Nwakanma. Dilma sorriu e aplaudiu de
pé.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/revista/797/o-marco-faz-historia-e-manda-recado-3282.html