domingo, 28 de dezembro de 2014

Capítulos da História de Itajaí ou "o que a memória não guardou"




Olhar a cidade pela janela de minha casa suscita imaginar as escrituras do espaço urbano, as dimensões físicas e mesmo imagináveis da cidade, como nos foi apresentado por Ítalo Calvino. Dentro de sua concretude o urbano desenha campos de memórias submersas, aguardando um toque de curiosidade, provocar um atrito, uma certa ressonância nas teias da memória para que o anjo de Paul Klee, se faça História e possa olhar outros campos de lutas e representações da história.

Nessas lutas de representações no campo da escrita histórica, nos deparamos com silêncios provenientes da maneira como a cidade e suas vias ganham uma narrativa, procurando dar um sentido a cidade e a sua História. Ao se tornar palco de uma narrativa simbólica através das ruas e monumentos a cidade ganha os contornos de uma luta de representações, onde o indizível, o não dito ecoa num silêncio atordoante, mesmo quando dito.

Itajaí não se exime desse processo de nomeações e representações do espaço urbano. Suas ruas renomeadas após a implementação da República no final do século XIX, ruas como Conde D’Eu, (rebatizada como Lauro Müller), Pedro II, transformada em XV de novembro, rua Vitória (nome dado devido a Guerra do Paraguai), tornou-se rua Felipe Schimidt.

Uma narrativa republicana, instituiu uma nomeação para a cidade, produzindo um discurso em concordância com os preceitos políticos e de poder instituídos a partir daquele momento. Essa narrativa constituiu uma narrativa do silêncio, falas passaram a serem ditas apenas numa superfície fina e escorregadia afim de não pronunciar outras falas.
Procurando riscar o verniz dessa fina superfície, eis um elemento interessante da História de Itajaí, a rua Pedro Ferreira, no período imperial chegou a se chamar rua do comércio, Itajaí nasce entre as ruas Pedro Ferreira, Lauro Müller e Hercílio Luz formando um T. A partir dessas ruas, o comércio ligado a atividade portuária se fez principalmente a partir da segunda metade do século XIX.

Voltamos então a rua Pedro Ferreira, qual motivo levou a rua do comércio ser rebatizada com o nome de Pedro Ferreira? O que ele representou para cidade? a chegada do Dr. Pedro Ferreira e Silva, nascido em 1861 na Vila de Sant’Anna do Catú, na Bahia, que estudou medicina na faculdade da Bahia, graduando-se em 1885 e transferindo-se para Itajaí em 1886.




Diploma de Pedro Ferreira e Silva. Centro de Documentação e Memória Histórica de Itajaí.
 


 A chegada desse jovem médico a Itajaí provocou um deslocamento na maneira de olhar a cidade, pois era proveniente de uma escola de medicina com prestígio reconhecido em todo o país e com forte influência nas discussões acerca da saúde pública entre a década de 80 e 90 do século XIX. Da faculdade baiana saíram intelectuais como Nina Rodrigues e Afrânio Peixoto, que vão incorporar as discussões da medicina legal com uma tônica para a eugenia.



A presença do Dr. Pedro Ferreira constitui-se em um diálogo com as discussões intelectuais de outras regiões, que não só do Rio de Janeiro, cidade irradiadora das discussões acerca da modernidade.
Aqui se percebe desencadear práticas discursivas imbricadas aos investimentos destinados à constituição de novos espaços de sociabilidade, a novos códigos de conduta e comportamento no espaço urbano. Provavelmente Pedro Ferreira e Lauro Müller mantinham contato. Pedro Ferreira ocupou a Presidência da Câmara de Vereadores enquanto Lauro Müller era Senador da República; em 1904, Pedro Ferreira é Superintendente Municipal e Lauro era responsável pela reforma do porto do Rio.
 
Observamos aqui o estatuto de homem de ciência implícito em Pedro Ferreira e Silva, tornando-o figura pública na cidade, constituindo-se em Itajaí um contato importante do PRC (partido republicano catarinense) com Felipe Schmidt (Primo de Lauro Müller) e Lauro Müller, que nas primeiras décadas do século XX, teve importante participação política na implantação da República. Pedro Ferreira e Silva foi sócio fundador do IHGB/SC em 1896, foi deputado estadual e Superintendente de Itajaí.

A emergência intelectual de Pedro Ferreira e Silva, tornou invisível o fato de se tratar de um intelectual formado pela Faculdade de Medicina da Bahia, responsável juntamente com a Faculdade de direito do Recife (Pernambuco), pela formação de vários intelectuais, formadores de uma “intelligentsia” brasileira, espalhando-se por várias regiões do Brasil. Colocando a região Nordeste como grande centro produtor intelectual e cultural entre a segunda metade do século XIX e durante grande parte do século XX.
Outro elemento silenciado, Pedro Ferreira e Silva era afrodescendente, o que na história local passou a “vistas grossas”. A foto de Pedro Ferreira mais exposta é de aproximadamente de 1910, um ano antes de sua partida terrena, fica perceptível o processo de branqueamento realizado na fotografia, para deixa-lo mais próximo do que se desejava na época em termos de “estética intelectual” para a elite branca.

 


Pedro Ferreira e Silva em 1888 e 1910.



Pedro Ferreira, foi mais um dos intelectuais a ser negligenciado, ou, “branqueado” para responder a uma narrativa histórica desejada, dar sentido a uma narrativa uniforme, sem divergências ou diferenças. No entanto, nos descaminhos da História, memórias e dizeres são pronunciados, cabe ao historiador buscar “o que a memória não guardou”.


 

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