Ao percorrer o cotidiano de Itajaí na segunda metade do
século XIX, nos deparamos com alguns silêncios, insistentes que persistem em
forjar uma memória ausente de afrodescendentes e da presença de escravos em
Itajaí. Mas, ao lançar a lupa sobre o papel, pois, sem lupa, é difícil decifrar os
documentos quase desbotado pelo tempo e pelo indizível, ou seja, o não dito, se
esvai da memória coletiva, esvaziando da história da cidade a vivência da escravidão,
inscrita na cidade como em 04 de julho de 1863, quando Jacintho José Duarte
vendeu por um conto de reis a Bento Malaquias da Silva sua escrava de nome
Vitorina. A partir daqui podemos nos perguntar acerca da trajetória de
Vitorina, qual foi seu destino quando da compra de Bento Malaquias. Seria Vitorina
comprada para assumir as funções de cozinha? Para cuidar dos filhos de Bento
Malaquias? Poderíamos encontrar Vitorina com uma trouxa de roupas sobre a
cabeça, dirigindo-se a fonte ou ao rio para lavar as roupas da família
Malaquias? Não podemos precisar.
No entanto, essas pistas vão revelando uma cidade onde a
presença de escravos no cotidiano se fazia nas décadas que antecederam a
abolição. Como em 17 de agosto de 1865, quando aportou em Itajaí o patacho (embarcação
com dois mastros) Alice, com destino a desterro (atual Florianópolis). Do navio
desembarcou seu capitão em companhia do escravo Adão, que foi recolhido a
cadeia pública da cidade aguardando seu dono vir busca-lo. Adão chegou a Itajaí
proveniente do Rio de janeiro na época capital do império, suscitando outras
questões, escravos chegavam a Santa Catarina vindos do sudeste, São Paulo ou
Rio de Janeiro? Adão teria desembarcado no Rio de Janeiro oriundo do continente
africano? São questões que suscitam uma investigação mais apurada acerca do
destino de escravos que desembarcaram em Santa Catarina na segunda Metade do
século XIX.
Nos últimos anos da escravidão, encontramos fatos no mínimo curioso,
em Itajaí se encontrava a junta de classificação de escravos, onde os escravos
da região eram registrados. Em 1882, Bernardino da Silva Ramos recebeu uma intimação
assinada por Guilherme Asseburg, presidente da Junta de Classificação de
escravos para dar testemunho de um pecúlio (poupança) que sua escrava Anna
teria em mãos de um particular. Isso aponta caminhos interessantes, Anna
deveria trabalhar com alguma atividade de ganho na cidade, pois, tinha acesso a
dinheiro que conseguiu guardar. Estaria ela guardando dinheiro para comparar
sua liberdade? Ou apenas confiou o dinheiro a alguém de sua confiança, apenas
para deixar o dinheiro longe das vistas de Bernardino da Silva Ramos?
Esses casos apontam um cotidiano da cidade onde a presença
da escravidão nutriu a dinâmica da cidade, apontando a presença e a atividades
de escravos na vida urbana. Cabe ainda mergulhar nessas histórias ainda por
serem contadas, para descortinar histórias enclausuradas no silêncio.
Ver:
Documentação encontrada no centro de Documentação e Memória
Histórica de Itajaí.
Fundo do cartório de Registro de Imóveis 1º Ofício de
Itajaí, Livro 03, caixa 01, 1860-1865.
Processo
n° 168, de 1865, que se encontra no fundo judiciário do século XIX.
Fundo da câmara Municipal de Itajaí,
correspondências expedidas, caixa 01, 1882.