Estudo feito por um renomado psicólogo da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, reacende o debate sobre a capacidade humana de antever o futuro
Débora RubinOUSADIA
Um dos melhores pesquisadores de sua geração, o psicólogo Daryl J.
Bem transgrediu as regras da academia ao estudar sobre premonição
ESTUDO
O procurador aposentado Valter Borges montou um
instituto de pesquisa após a premonição da morte do filho
CHOQUE
A funcionária pública Erilene Pereira anteviu
dois acidentes de carro, com o filho e o cunhado
Outra pesquisa, feita com universitários brasileiros, mostra que pensamentos premonitórios rondam o inconsciente bem mais do que se imagina. Segundo o trabalho realizado em 2008 na Universidade de São Paulo, 71,5% relataram premonição através de sonhos (leia quadro na pág. 55). No Instituto do Sono, de São Paulo, 30% dos pacientes contam ter sonhado com algo que depois se concretizou. Apesar de ser comum e fazer parte da vida de muitos brasileiros, essa capacidade de antever o futuro ainda é encarada como um grande mistério. Poucos cientistas se dispõem a estudar o tema e, mais do que isso, se recusam a comentá-lo. Lá fora, não é diferente. O artigo produzido em Cornell foi recepcionado com duras críticas. Ray Hyman, professor de psicologia da Universidade de Oregon (EUA), disse ao jornal “The New York Times” que o trabalho é loucura pura. “É um embaraço para a categoria”, atacou. Uma das censuras recebidas foi pelo fato de o professor Bem ter avisado os estudantes de que se tratava de um teste de premonição, o que pode ter influenciado as respostas. O físico Rory Coker, da Universidade do Texas (EUA), um crítico contumaz do que chama “pseudociência”, também fez ressalvas ao colega pesquisador. “A ciência não ignora os fenômenos paranormais, o problema é que tudo o que se vê são estudos feitos para provar aquilo no que se acredita. Dificilmente há resultados significativos e poucos trabalhos são reproduzíveis”, disse à ISTOÉ.
Daryl Bem não é o único acadêmico a colocar a mão nesse vespeiro ao longo da história. Em 1934, o professor Joseph Banks Rhine lançou a primeira edição do livro “Percepção Extrassensorial” a partir de vários testes realizados na Universidade de Duke (EUA). Foi ele quem cunhou o termo “parapsicologia” como o nome da ciência que estuda tais fenômenos. Mais recentemente, em 2001, outro professor de psicologia e neurologia da Universidade do Arizona (EUA), Gary Schwartz, testou em laboratório cinco médiuns, entre eles o mais famoso da tevê americana, John Edwards. No experimento, que foi exibido no Brasil pelo canal pago History Channel, Edwards ficava separado de pessoas que queriam saber sobre seus entes falecidos. Eles não se viam, apenas se ouviam e, como no programa, Edwards apenas confirmava as informações. O índice de acertos, segundo o pesquisador, foi de 83%. Schwartz também já esteve na mira do implacável professor Hyman, de Oregon, que o acusou de forjar resultados. “Muitas vezes na história da ciência nós estávamos errados. Quando achamos que a terra era plana, quando consideramos que o sol girava em torno da terra e tantas outras vezes. Prefiro estar sempre aberto a qualquer possibilidade”, defende-se o professor do Arizona.
Para confirmar as teses dos estudiosos no tema, dezenas de relatos de premonições vêm a público diariamente, manifestados por pessoas comuns – que trabalham, estudam, têm filhos, professam uma religião ou não. Elas costumam ser atropeladas em seu inconsciente por um acontecimento, uma certeza, quase um clarão, que se impõe sobre sua lucidez e se materializa em realidade horas, dias, meses depois, deixando-as, normalmente, assustadas. Roteiro cumprido pela arquiteta Silvia Arruda, de São Paulo. Em fevereiro de 1986, ela sonhou com uma cena de quebradeira no Brasil. Gente falindo, perdendo dinheiro, corrida aos bancos e supermercados. No dia seguinte, o então ministro da Fazenda, Dílson Funaro, anunciou o Plano Cruzado, que congelou o valor de salários, bens e serviços e provocou uma das maiores crises do governo de José Sarney (1985-1990). Vinte anos depois, um novo sonho premonitório, menos, digamos assim, coletivo. A arquiteta viu o então namorado com uma dançarina ruiva de cabelos cacheados. Contou para ele como quem relata uma curiosidade e foi ridicularizada. Pouco tempo depois descobriu que ele estava saindo com uma mulher tal e qual a do sonho. Detalhe: Silvia não é mística e nem sequer acredita em premonição. Ou, ao menos, não acreditava. “Não acho que seja algo sobrenatural, mas sim uma capacidade da mente em captar pensamentos e sensações não ditos”, afirma.
VISÃO
A gerente de marketing Carolina Oliveira enxergou a separação de um
casal desconhecido, que aconteceu três meses depois
“Não é um fenômeno religioso, não é loucura, paranoia, coincidência nem algo sobrenatural”, argumenta a parapsicóloga Márcia Cobêro, professora do Centro Latino-Americano de Parapsicologia (Clap). “É uma faculdade natural que todos têm, mas poucos se dão conta.” Segundo Márcia, a primeira reação das pessoas que têm premonições é achar que possuem um dom. O segundo passo é temer esse dom. Quando começou a ter premonições, o corretor de imóveis de Santo André (SP) Robson Leiva Lazarini ficou assustado e procurou ajuda na religião – primeiro católica, depois batista. Também criou o blog Sonhos Premonitórios (www.premonitoriosonho.blogspot.com), no ano passado. “As pessoas me mandam e-mails para tirar dúvidas. Não sou especialista, mas tento ajudar contando minha experiência.” Uma das que mais o impressionaram foi com um avião que tentava levantar voo no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, não conseguia, virava para a esquerda e batia num prédio baixo. No dia seguinte, foi buscar um cliente no aeroporto e ficou com muito medo que acontecesse algo com o jatinho dele. Quando o cliente aterrissou, respirou aliviado. Minutos depois, o avião da TAM, voo 3054, colidiu com o prédio da própria empresa após tentar arremeter num dia chuvoso. Lazarini ficou arrasado. “Mas o que eu posso fazer com esses sonhos? Ligar para a Anac e avisar? Não sei o que fazer com eles, então resolvi pelo menos registrar os mais recentes no blog.”
REDE
O corretor Robson Lazarini conta suas premonições,
como a de um acidente de avião, em um blog
REAL
A arquiteta Silvia Arruda anteviu a traição
do namorado e o advento do Plano Cruzado
Na vida da funcionária pública alagoana Maria Erilene Pereira, premonições e fortes intuições insistem em acontecer há algum tempo. Como quando, relaxando em uma rede, ela teve um insight com o filho mais velho, que havia saído com o carro à noite pela primeira vez. Erilene teve uma visão de um sinal próximo de sua casa. Sentiu um aperto no peito e ficou com receio de que acontecesse algo quando o filho passasse por ali. Ligou para ele e pediu que voltasse para casa. O jovem tentou acalmá-la, dizendo que estava tudo bem. Horas depois, ligou, aflito: havia batido o carro naquele local. “Tivemos sorte, só o veículo sofreu danos sérios. Ele ficou bem”, relembra. Muito pior foi o sonho no qual um de seus cunhados recolhia pedaços de um corpo após um acidente de carro. Dois meses depois ela perdeu um outro cunhado numa batida. E aquele do sonho, que recolhia os pedaços, foi o primeiro a chegar ao local do acidente. Os eventos ajudaram Erilene a cuidar de sua espiritualidade e se sintonizar mais com sua intuição. “Isso me ajuda a me conhecer melhor.”
Rory Coker, o físico americano que se dedica a denunciar os malefícios da pseudociência, acredita que tudo não passa de probabilidades. “Se toda vez que um parente meu sofresse algo eu sentisse, aí sim seria um fenômeno a ser examinado. Mas isso acontece muito de vez em quando e, portanto, fica dentro das estatísticas”, diz. No entanto, ele admira a coragem de pesquisadores como Daryl Bem. “É saudável que existam cientistas rebeldes que estão sempre imaginando como trilhar novos caminhos, por mais absurdos que eles soem aos nossos ouvidos.” Não à toa, Bem termina seu trabalho citando o diálogo da Rainha Branca e de Alice que abrem esta reportagem. O professor diz que 34% dos psicólogos que estão nas universidades concordam com Alice. E finaliza: “Quem sabe esse estudo não incentive os outros 66% dos meus colegas a investigar ao menos uma coisa anormal por dia.” Afinal, premonições são como as bruxas. Você pode até não acreditar nelas, mas que elas existem, ah, existem.
Fonte: Revista Istoé edição: 2156
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