Por que ninguém ouve a ONU?
Como o mais importante organismo mundial da diplomacia perdeu relevância e se tornou impotente diante dos crescentes conflitos em Gaza, na Ucrânia e na Síria
Mariana Queiroz Barboza (mariana.barboza@istoe.com.br)
Criada logo
após o fim da Segunda Guerra Mundial, sob o pilar de que a paz deve ser
estabelecida por meios pacíficos, a Organização das Nações Unidas (ONU)
tem se mostrado cada vez mais impotente diante do acirramento de
conflitos que se espalham pelo mundo. A violência entre Israel e o
Hamas, que contabiliza mais 1,4 mil vítimas – a maioria civis –, é um
exemplo de sua ineficácia. Apesar de o Conselho de Segurança ter exigido
um cessar-fogo imediato após uma reunião de emergência na segunda-feira
28, isso não impediu que os bombardeios continuassem dos dois lados. Na
quinta-feria 31, uma trégua foi acordada entre as partes, mas ela seria
descumprida horas depois. No mesmo dia, o primeiro-ministro israelense,
Benjamin Netanyahu, descartou o fim da operação militar em Gaza até que
seu Exército completasse a missão de destruir os túneis construídos
pela força terrorista Hamas com o objetivo de atacar Israel. Detalhe: a
negociação mais promissora de uma trégua definitiva tem sido conduzida
pelo Egito.
SEM TRÉGUA
Prédio da ONU em Nova York e explosão em Gaza: a rotina da entidade
inclui reuniões de emergência, declarações contra a violência
e pedidos de cessar-fogo, mas poucos dão ouvido
Como uma organização dirigida por
consensos, a ONU expõe a falência da cooperação supranacional, mesmo nas
situações mais graves, quando há aliados em jogo. “O Conselho de
Segurança é um órgão politizado, em que qualquer resolução passa por
interesses nacionais”, afirma Mark Lagon, diretor de estudos políticos
globais e segurança da Universidade de Georgetown. “O problema é que os
membros permanentes têm seus protegidos e congelam o Conselho”, diz Ruth
Wedgwood, professora de Direito Internacional e Diplomacia na
Universidade Johns Hopkins. “Se não concordam entre si, não há muito o
que possa ser feito.” Em termos práticos, os Estados Unidos impedem
qualquer ação mais enérgica contra Israel, enquanto a Rússia faz o mesmo
em relação à Síria e a outros aliados. Desde o fim da Guerra Fria,
segundo levantamento do jornal americano “The New York Times”, os
Estados Unidos utilizaram seu poder de veto 14 vezes e a Rússia, 11.
Na falta de um consenso no Conselho de
Segurança – além de EUA e Rússia, França, Reino Unido e China têm poder
de veto –, iniciativas independentes têm ganhado importância. Diante da
incapacidade da ONU de chegar a um entendimento sobre punir a Rússia
pela anexação da Crimeia e por apoiar rebeldes separatistas no leste da
Ucrânia, os EUA e os países da União Europeia optaram por sanções
econômicas e diplomáticas fora do âmbito da entidade. Na semana passada,
uma nova rodada foi imposta. Em resposta, a Rússia disse que a energia
que fornece ao mercado europeu ficaria mais cara. Para Jan Oberg,
diretor da Transnational Foundation for Peace and Future Research, isso
mostra que são os próprios Estados-membros que têm “marginalizado” as
Nações Unidas. O especialista, que já participou de mais de 20 missões
internacionais da ONU, compara o orçamento anual do órgão, ao redor de
US$ 3 bilhões, com os gastos militares globais no mesmo período. “Os
Estados-membros gastam US$ 1,7 trilhão se preparando para a guerra,
porque pensam que segurança é Exército, mas estão dispostos a investir
menos de 0,2% disso na paz”, diz.
O esvaziamento da ONU cresce na medida em
que muitas nações decidem se engajar militarmente mesmo sem o aval da
entidade. Foi assim que, em agosto do ano passado, os americanos e
britânicos cogitaram uma intervenção militar na Síria. Eles acusavam o
presidente Bashar al-Assad por um ataque com armas químicas em Damasco.
Embora a guerra civil, que já dura três anos, esteja longe de um
desfecho, a ação só foi descartada depois que o presidente russo,
Vladimir Putin, mediou um acordo para a entrega do arsenal químico em
poder de Assad. Em 2003, os Estados Unidos e o Reino Unido também não
convenceram Alemanha, França e Rússia sobre a existência de armas de
destruição em massa no Iraque. Ainda assim, eles invadiram o país. O
mesmo aconteceu na guerra do Kosovo, em 1999, quando a Otan ignorou a
decisão do Conselho de Segurança da ONU de não intervir no conflito. O
veto coube à Rússia, que apoiava a Iugoslávia, depois desmembrada em
várias nações independentes.
O grande avanço da ONU ressaltado pelos
especialistas está na assistência humanitária. Com soldados levemente
armados, as missões de paz coordenadas pela entidade não lutam para
derrotar nenhum Exército, mas para evitar novvas tensões e proteger os
civis em terra. Um exemplo é a missão enviada ao Chipre, que tem sido
hábil em controlar as hostilidades entre cipriotas gregos e turcos desde
os anos 60. Para Mark Lagon, mais dinheiro deveria ser destinado aos
programas de refugiados e de combate à fome, que são capazes de salvar
milhares de vidas todos os anos. Na semana passada, o braço das Nações
Unidas que cuida dos refugiados palestinos, a UNRWA, pediu US$ 187
milhões extras. Seu porta-voz, Chris Gunness, chegou a chorar numa
entrevista à tevê árabe Al-Jazeera após o ataque a uma escola em Gaza.
Diante da impotência da ONU para suscitar ações concretas, Gunness não
poderia produzir uma metáfora melhor.
Montagem sobre fotos: TIMOTHY A. CLARY, ASHRAF AMRA – AFP PHOTO
Fonte: http://www.istoe.com.br/reportagens/375687_POR+QUE+NINGUEM+OUVE+A+ONU+?pathImagens=&path=&actualArea=internalPage
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